Apenas pouco mais de três quilômetros de mar separam estas duas ilhas, no Estreito de Bering, entre a Sibéria, na Rússia, e o Alasca, nos Estados Unidos. Mas quem se dispuser a atravessar de uma para a outra, não só mudará de país — e de continente — como viverá a curiosa experiência de voltar (ou avançar) um dia no tempo — algo que só ali é possível vivenciar entre dois nacos de terra tão próximos.
A ilha maior chama-se Grande Diomede (ou Ratmanov, em russo, já que pertence à Rússia), e a menor, Little Diomede (Pequena Diomede), em inglês, uma vez que faz parte dos Estados Unidos — dois países historicamente antagônicos, mas que ali fazem uma improvável fronteira quase terrestre, e totalmente bizarra no calendário, já que, embora uma ilha fique colada à outra, são separadas por nada menos que 24 horas nos relógios.
Vizinhas, mas em dias diferentes
O motivo do curioso fenômeno entre o que diz o calendário em uma e outra ilha das Diomedes foi a necessidade que os cientistas do século 19 tiveram ao criar uma maneira para que os dias e as noites acontecessem sempre no mesmo horário, nas diferentes partes do planeta. Ou seja, o fuso horário.
Para isso, foi preciso que, em determinado ponto do globo terrestre, após esgotado o ciclo máximo de 24 horas nos fusos horários, fosse traçada uma linha imaginária onde o calendário simplesmente mudasse de data, avançando ou recuando um dia, a fim de compensar esta diferença — a chamada Linha Internacional de Data, que, desde então, divide verticalmente o globo terrestre em dias diferentes: o hoje e o ontem (ou amanhã, dependendo de onde você estiver).
Ilha de hoje e de ontem
Por um capricho da natureza — e dos cartógrafos da época — a tal Linha Internacional de Data foi traçada exatamente entre as duas ilhas Diomedes, que, assim sendo, embora a míseros minutos de distância, passaram a ficar separadas por nada menos que 24 horas no fuso horário.
Ou seja, em dias diferentes no calendário.
"Enquanto na pequena Diomede ainda é hoje, na vizinha Grande Diomede já é amanhã. Embora elas fiquem coladas uma na outra".
Onde é possível voltar no tempo
Quem atravessar da ilha americana (onde há apenas uma pequena comunidade de esquimós) para a russa (onde hoje não vive ninguém) desembarcará no dia seguinte — embora aquela travessia não dure mais que dez minutos de barco. Já, quem fizer o caminho inverso, realizará o sonho de muita gente de voltar um dia no tempo — partirá hoje e chegará ontem.
Serviu de inspiração para livro
Esta excentricidade geográfica — que não existe em nenhum outro ponto ao longo da tal linha imaginária com tamanha proximidade — serviu de inspiração para o escritor italiano Umberto Eco escrever o romance "A Ilha do Dia Anterior", um de seus maiores sucessos literários.
O livro ajudou a propagar a peculiaridade das duas ilhas vizinhas na geografia, mas separadas pela maior distância possível nos relógios.
Também rendeu apelidos eternos às duas ilhas: a Grande Diomede virou a "Ilha do Amanhã"; e sua irmã menor, a "Ilha de Ontem" — uma esquisitice geográfica capaz de confundir a cabeça de qualquer pessoa.
Rota dos primeiros americanos
Embora sejam ilhas, é possível fazer a travessia entre as duas Diomedes até a pé. No inverno, boa parte do mar do Estreito de Behring congela e a travessia entre as duas ilhas pode ser feita caminhando sobre as placas de gelo — característica que explicaria a chegada dos primeiros humanos ao continente americano, possivelmente vindos da Ásia, após cruzarem a pé o atual Estreito de Bering.
"Pela teoria vigente, os primeiros habitantes das Américas teriam passado pelas ilhas Diomedes, o que daria uma relevância também antropológica a estas duas exóticas ilhas, que ficam em dias diferentes".
A verdadeira Cortina de Gelo
Outra particularidade das Diomedes é que, nos tempos da Guerra Fria, entre Rússia e Estados Unidos, a partir da década de 1950, elas viraram a principal fronteira física entre o comunismo e o capitalismo — e, por isso, também foram apelidadas de "Cortina de Gelo", numa alusão ao clima inclemente da região, onde, no inverno, as temperaturas podem chegar a 40 graus negativos.
O curioso é que a ilha menor havia sido vendida pelos próprios russos aos americanos, quase 100 anos antes, em 1867, passando a fazer parte do Alasca.
Mas a ilha maior continuou em poder da Rússia.
Uma habitada, outra não
Quando a tensão entre os dois países aumentou, a Rússia tratou de retirar os esquimós que viviam na sua Diomede por temer que eles pudessem ser usados como espiões pelos vizinhos americanos.
E, até hoje, só a ilha menor é habitada.
Ainda assim por não mais que uma centena de pessoas, que ainda vivem basicamente da pesca e da caça de focas, ursos e raposas.
Apesar de estarem em dias diferentes, as duas Diomedes parecem ter parado no tempo.
Travessia a nado
Praticamente ninguém visita estas duas isoladas e inóspitas ilhas. Mas, em 1987, uma americana teve a ideia de atravessar a nado o canal que separa as Diomedes, como uma ação pela paz entre os dois países.
Lynne Cox entrou no mar da ilha americana e nadou até a russa, em pouco mais de uma hora de travessia — embora, pelo calendário, tenha chegado lá vinte e tantas horas antes da sua própria partida.
Pelo feito, foi saudada tanto pelo então presidente americano, Ronald Reegan, quanto pelo premier russo, Mikhail Gorbachev. Mas não conseguiu "quebrar o gelo" entre as duas superpotências.
"Naquela outra ilha, é outro país, outro continente e outro dia", diz um morador da Pequena Diomede, resumindo bem as principais características destas duas peculiares ilhas".
A ilha que nunca existiu
Por serem pedaços de terra cercados de água por todos os lados, ilhas, por si só, costumam ser mais suscetíveis a curiosidades geográficas.
Como acontece nas Diomedes.
Mas, mesmo quando a geografia não gera motivos, às vezes, os próprios homens tratam de torná-las interessantes, instigantes ou polêmicas.
Um dos casos recentes mais famosos envolvendo ilhas peculiares foi a de certa ilha chamada "Sandy", que, embora nunca tenha existido, constou durante muito tempo nos mapas do Almirantado Britânico, uma espécie de atlas oficial do mundo no passado, e até nas imagens do Google Earth — antes de ser constrangedoramente removida (clique aqui para conhecer este quase escandaloso caso, até hoje praticamente inexplicado).
Nunca houve uma explicação convincente para a inclusão nos mapas de uma ilha que nunca existiu, como a "Sandy" — embora, neste caso, a explicação pudesse estar em um simples equívoco cometido pelos seus descobridores.
"Já no caso das ilhas Diomedes, a principal excentricidade fica por conta do que diz o calendário. São vizinhas e praticamente unidas pela geografia. Mas separadas por 24 horas nos relógios".
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